Eu fui a adolescente chata que não consumia coisas "na moda". Isso acarretou numa ausência de várias experiências literárias como: Harry Potter, Jogos Vorazes, Percy Jackson e afins, quando lançaram. Com o passar dos anos eu percebi que muitas dessas sagas continuavam com uma grande base de fãs e refleti sobre as experiências legais que eu poderia ter tido na adolescência se tivesse acompanhado os lançamentos.

Essa ausência foi virando curiosidade e foi assim que li Percy Jackson pela primeira vez na pandemia. Com certeza teria aproveitado mais as tivesse lido na adolescência, mas não foi uma experiência ruim ler após adulta. Partindo de Percy Jackson, resolvi que iria aos poucos correr atrás do "prejuízo" e ler as sagas famosas que não li por estarem hypadas. E chegou a vez da Sarah J Maas. Confesso que essa leitura só saiu mesmo, pois uma amiga do trabalho me recomendou horrores a saga, e eu estou lendo muita romantasia nos últimos tempos. Feéricos, romance, releitura do livro a bela e a fera com cenas +18? O que poderia dar errado? Tudo o que eu sabia da história era isso. Sabia que tinha um loiro, um moreno misterioso e nada mais. O que eu confesso que foi primordial para aproveitar mais a história. Dito isso, não vou citar spoilers nessa publicação, caso você não tenha lido e esteja cogitando a possibilidade.

Li o primeiro livro sabendo que não era tão bom e do segundo volume em diante tudo ficaria melhor. Isso me desanimou um pouco, e deu para perceber o que torna esse livro questionável. Eu não sei dizer se foi um problema na tradução ou a escrita original da autora, mas existe uma quantidade absurda de repetição de frases! Se organizar dá para fazer um jogo, cada vez que a Feyre diz que os ossos estão doendo ou está sentindo dor até os ossos, todo mundo vira uma dose de bebida. E eu tenho certeza que apenas os fortes sobreviveriam até o final do livro. Outra repetição chata é a quantidade de vezes que a autora dedica parágrafos e mais parágrafos para falar sobre a beleza do Tamlin. Eu senti que ela se apoiou muito nisso como um gancho para construir uma relação, e isso esvaziou muito o romance, deixando consequentemente a história do primeiro livro muito fraca no romance e apenas pavimentando o contexto da narrativa dentro da fantasia, explorando os locais e as relações políticas que vão continuar nos próximos livros.

A partir do segundo livro o leitor compreende as lacunas e motivos para alguns dos acontecimentos do primeiro livro. Eu achei isso muito questionável. A autora teve uma autoconfiança absurda no seu trabalho. A primeira metade do livro Corte de espinhos e rosas é uma introdução muito básica na parte da fantasia e muito pobre na relação dos personagens que seriam o par romântico. Na segunda metade o livro ganha uma profundidade e caminha para um desenrolar mais interessante. Apenas no segundo livro, intitulado Corte de Névoa e Fúria, algumas coisas passam a fazer sentido e o grande plot do romance acontece.

Uma constante nos plots dessa história é perceber que a autora trabalha muito um determinado assunto ou personagem, para depois apresentar um plot nada sutil. Não sei se ter lido na fase adulta trouxe essa percepção de furo no plot, por ter mais maturidade enquanto pessoa, além de um arcabouço de leituras na fantasia que deu indícios do que estava por vir. Ou se realmente a construção da história é fraca nessas reviravoltas que deveriam ser chocante, mas simplesmente não são. O terceiro livro é mais voltado para guerras e questões políticas, que se desenrolam juntamente com outras questões abordadas nos outros dois primeiros livros.

E agora a grande pergunta: valeu a pena ler?

A resposta é sim. Não tinha expectativas positivas para a leitura, não saber muitos spoilers contribuiu positivamente. Eu estava esperando uma leitura mais descontraída e foi isso que recebi. Não vai entrar para a lista de fantasias favoritas por motivos que eu quero pontuar para quem está na dúvida sobre ler ou não os livros:

• A série tem um universo fantástico interessante, mas não é nada que um leitor fã de fantasia já não tenha visto por aí, só que versões melhores. É simples. Não estamos falando de alta fantasia, não estamos falando de uma complexidade mágica e política, é um enredo simples, o que não significa que seja ruim. Talvez encante mais os leitores que estão começando a ler o gênero.
  
  
• O que chegaria próximo de uma "complexidade" no enredo são as tentativas da autora de criar plots que interligam os livros, e o leitor teria que estar atento nas entrelinhas para antecipar os acontecimentos. Eu acho que é um artifício válido, mas quando bem feito. A autora se apoia muito nessas lacunas que vão fazer sentido em algum momento da história. Inclusive essas lacunas deixam um vazio em assuntos e a eterna possibilidade de mais e mais livros para crescer o esquema de pirâmide.
  
  
• Eu confesso que, o que eu mais gostei da experiência de ler, foi entender os vários memes que eu vejo na internet. Os fãs da saga são dedicados e detalhes do livro ficam muito engraçados como que a Feyre sabe pintar, mas todo mundo que leu o livro ficou com a impressão de que ela pinta mal e ninguém tem coragem de dizer isso para ela. Ou o fato dela não saber ler e escrever e render vários memes sobre um momento crucial da história que para sobreviver ela precisava ler algo. O fato de ter pontas soltas para serem amarradas em plots também gera muita teoria entre os leitores.
  
  
• As famosas cenas +18 são uma vergonha alheia. A saga é também conhecida por esse tópico, e eu fiquei horrorizada com a baixa qualidade. Não é bem escrito e inclusive eu poderia fazer uma publicação com vários livros melhores nesse quesito picância. Dito isso, levanto outra questão que me desanimava enquanto lia. Os livros recebem essa classificação de público +18 devido às partes de sexo explícito. Mas a construção dos personagens e o resto do enredo é tão adolescente! Os problemas, o ponto de vista e as atitudes dos personagens não são voltados para um público mais maduro, e sim para adolescentes. Eu acho que não deveria ter as cenas explicitas e descer a classificação para +16. Ou deixar a classificação +18, mas elaborar uma maior maturidade para a história num geral.
  
  
• Alguns tópicos sensíveis são colocados na história, existe abuso psicológico e abuso sexual, e são colocados na história de uma forma que eu não gosto muito. O abuso psicológico vem de um relacionamento tóxico e serve como propósito para o fim do relacionamento. O abuso sexual é colocado na história de forma leviana, como uma situação que marca o personagem que foi vítima, mas não é elaborado para além de uma característica que compõe o "background" sofrido do personagem. Não é um diferencial na história, não contribui para o enredo e não deixo de me questionar se existia a necessidade desse tópico sensível na história. Não tem conteúdo explicito na parte do abuso sexual.