Aprendi com Hilda Hilst sobre lhaneza e escrevi meu manifesto | Júbilo, memória, noviciado da paixão sem spoiler
22 setembroSegundo o dicionário, manifesto é a "declaração formal que, geralmente escrita, transmite intenções, opiniões, decisões ou ideias políticas, particulares a uma pessoa ou a um grupo de pessoas". Também segundo o dicionário temos a definição de lhaneza "Característica do que é lhano; que apresenta afabilidade; candura, singeleza. Qualidade de quem é sincero; sinceridade, franqueza."
Por muitos anos da minha vida não consegui identificar o que era "eu" de verdade, e o que eram versões de mim que me fizeram acreditar serem reais. Os caquinho de opiniões que formavam o mosaico do eu. Foram anos vendo esse mosaico e acreditando ser meu reflexo, até começar a questionar se de fato as palavras que me diziam estavam presentes em partes de mim que iam além do reflexo e do que viam no exterior, que se bagunçava com a opinião alheia. Todos tinham um pensamento sobre mim, mas, e meus próprios pensamentos? O que eles diziam sobre mim? Então comecei a desatar os nós que deram, questionar e desfazer crenças que me foram entregues como presentes inofensivos. Esse processo durou anos, na verdade, volta e meia ainda encontro algo a ser desfeito, e de tanto repetir se transformou em algo fácil, até prazeroso, pois hoje consigo claramente diferenciar quem sou daquele mosaico que fizeram de mim.
Lendo esse livro de poesias, me deparei com a palavra "lhaneza" que até então me era desconhecida. Busquei por seu significado e me peguei dando uma risadinha ao perceber que 83% de mim é pura lhaneza. Veja bem, se você tirar o "lh" da palavra e substituir por um "v" terá meu nome. E como uma pessoa 83% lhaneza seria um mosaico de palavras ruins? Quantas vezes a minha franqueza foi lida como desaforo por não querer estar desconfortável, e não aceitar ser diminuída para caber na idealização alheia? Quantas vezes minha afabilidade foi interpretada como compreensão e submissão, fazendo com que me fosse oferecido menos do que eu merecia? Assim surge meu breve manifesto sobre lhaneza, porque o difícil em mim se fez lhaneza como no poema, e tenho colhido frutos doces ao abraçar as certezas do que sou e a mutabilidade que faz morrer e renascer tantas coisas dentro de mim.
[...]
Mas o difícil em nós
Se faz lhaneza, porque o poeta
Pede à divindade. Ouro mais raro
É ouro permissível, se no abismo
Em que vive, coexiste
O envoltório do amor. Em nós
Convivem, Túlio, os dúplices
Difíceis. Abracemo-nos. Celebra.
Enquanto estamos vivos.
Árias pequenas. Para bandolim. Nº XIV
Acho que já comentei aqui no blog que não sou tão leitora de poesias, são poucas que conversam de alguma forma comigo, mas esse livro me cativou bastante. Foi meu primeiro contato com obras da autora e fiquei curiosa para conhecer mais, sabendo que vou me surpreender nessa jornada lendo Hilda Hilst, até porque ela foi uma autora com sua cota de polêmicas. Em júbilo, memória, noviciado da paixão temos uma reunião de poemas, a maioria deles sobre um amor que não deu certo. Me diverti lendo e conhecendo um pouco da autora que mesmo vivendo sua desventura amorosa, não se fechou para o amor. Ela acabou transformando até os desamores em um conjunto de rimas e ritmos que não falam apenas sobre o sentimento em si, mas como o sentimento passa por ela e ganha novos sentidos, virando memória devota do que foi ou poderia ter sido.
Uma coisa muito legal sobre esse livro, é que uma parte dele foi musicado e interpretado por grandes nomes da música brasileira. Depois que li, experimentei reler ouvindo as músicas e é simplesmente adorável! Deixo meu muito obrigada ao amigo Wendy que me recomendou a autora, o livro e o álbum <3
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