Não sou muito da ficção científica, mas tive uma grata surpresa com esse livro. Se você gosta de Star Wars e Cowboy Bebop, ficará muito feliz em conhecer uma história que se passa numa galáxia muito distante com gosto de dendê. E se você não conhece as referências, se faça o favor de passar a conhecer, principalmente o anime Cowboy Bebop.

A vida e as mortes de Severino olho de dendê é uma ópera espacial, que mescla perfeitamente elementos clássicos das histórias intergaláticas, com referências da cultura baiana. É nessa mistura que conhecemos Severino, morador do planeta Cabula XI que atráves do seu olho de dendê, consegue ver os últimos minutos de uma pessoa que morreu. Essa habilidade muito útil ajuda nas investigações que são o ganha pão de Severino e seu amigo Bonfim. É assim que eles se enfiam em uma investigação de assassinato, que leva a outro caso bem mais cabeludo e com várias pessoas envolvidas. Desde políticos corruptos até amigos do passado de Severino, e um amor que nunca foi superado. Essa dinâmica de investigação independente me lembra muito Cowboy Bebop e o esquema de caçador de recompensa futurista.

Nessa jornada em 2577 temos o plano de fundo perfeito, com naves espaciais movidas a dendê, planetas distantes e variado em espécies, convivendo sob um mesmo governo. É apresentado ao leitor esse universo futurístico com muitas referências a Bahia, desde comidas, locais, gírias, músicas, até o personagem Bonfim, com várias fitinhas do Senhor do Bonfim penduradas em seu corpo. Através da escrita, o autor entrega uma imersão incrível durante toda a leitura, mesmo em um futuro muito distante, é fácil se conectar com os personagens humanos e não humanos, devido às personalidades e dores compartilhadas.

Essa leitura surgiu na minha saga em busca de literatura contemporânea do nordeste, e confesso que foi um grande motivador para finalmente começar o  desafio Lendo a Bahia . Severino olho de dendê foi escolhido para representar o território de identidade "Metropolitano de Salvador" que engloba os municípios de: Camaçari, Candeias, Dias D'Ávila, Itaparica, Lauro de Freitas, Madre de Deus, Mata de São João, Pojuca, Salvador, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé, Simões Filho e Vera Cruz. Dentre essas cidades eu escolhi Salvador por ser soteropolitana e totalmente bairrista.

O desafio é uma tentativa de conhecer meu estado através da literatura, percebendo a diversidade cultural, histórica e paisagística. E essa leitura foi uma surpresa muito grata nesse sentido, mesmo com referências específicas de Salvador, o autor mostra a pluralidade cultural e identitária da Bahia, quando também adiciona ao enredo personagens que retratam o sertão baiano, com toques de cangaço, carrancas futuristas e as rimas dos cordéis. Saindo totalmente do óbvio que tanto vemos por aí, reduzindo o estado Bahia à Salvador.

Outra questão digna de comentário é a ideia genial de mesclar um futuro tecnológico com a Bahia. Nós sempre vemos uma imagem associando a Bahia a um passado saudosista com tradição, história, sofrimento e desigualdade. Em A vida e as mortes de Severino olho de dendê somos levados a uma nova perspectiva que não abandona o que temos de especial em nossa cultura, mas soma com uma ideia de progresso que nos foi negado por meio de processos históricos, onde ao norte e nordeste é relegado ao atraso, a ignorância e ao passado. Enquanto as demais regiões ao sul são associadas ao desenvolvimento tecnológico, modernidade e futuro.

Não posso deixar de comentar sobre o projeto gráfico do livro. A capa é repleta de elementos presentes na história, ilustrando essa realidade futurística. A parte interna conta com detalhes que acabam trazendo maior imersão ao enredo, deixando a leitura mais dinâmica e divertida. Inclusive com vários trechos de músicas que embalam a aventura.

Lendo a newsletter da autora Jadna Alana (que você pode conhecer  clicando aqui  ) me deparei com um trecho que fala sobre essa proposta atual entre os livros contemporâneos: "A gente sempre bebe de muitas fontes, e está tudo bem. O que não está bem é pensar que o fazer fantástico brasileiro precisa copiar o fantástico importado para se fazer bom. Muitos escritores contemporâneos começaram a transfigurar esta ideia.". Não deixo de concorda com a querida, que vem trazendo para a nossa leitura contemporânea o regionalismo fantástico com muita maestria. E fico muito feliz em ver que esse movimento de repensar o fantástico e adicionar referências nacionais, tem sido uma realidade cada vez maior em nossa literatura.

Finalizei esse livro recomendando para todo mundo e empolgada por começar o desafio tão bem. E continuo reforçando a importância de celebrar a nossa literatura contemporânea, a magia de se reconhecer nos livros e poder conhecer os autores não tem preço. Tive a oportunidade de assistir à conversa sobre a literatura contemporânea e as tendências do mercado, e ainda rolou foto e autógrafo.

A próxima parada do projeto será o território de identidade "Sertão Produtivo", já comecei o processo de curadoria e assim que for definido o livro, compartilho no Instagram. Espero que esse projeto seja divertido para vocês, no mesmo tanto que tem sido para mim. E se você ainda não veio à Bahia, venha através dos livros.